Daniel A. Rubio-Documentarista

Tobias 700- A historia de uma ocupação

Documentario de Daniel A. Rubio foi indicado para o prêmio União Latina La Cita, do festival de Cinema e Culturas da America Latina de Biarritz, na França

A arquitetura quase surrealista do centro de São Paulo enche o vídeo. Edificações frias vão se sucedendo, dando contorno à paisagem triste e bela da metrópole. Muitos destes prédios estão vazios, abandonados, ocos, contrastando com a verdadeira face da cidade há muito escondida, que mora nas ruas, nos cortiços ou à margem literal da sociedade. Só que desta vez, as vozes destes esquecidos ganham força para conquistar seus direitos constitucionais de moradia e resgatar a única coisa da qual não se pode abrir mão: a dignidade.

Agora, o Tobias 700, abandonado há 15 anos, é ocupado pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto do Centro e torna-se o lar de cerca de 300 famílias.

Com uma Câmera digital e usando luz natural (à noite, apenas um ponto de luz pequeno acoplado à câmera), o documentarista se infiltra neste mundo, criando uma relação intimista com os personagens desta história, porque participa de suas realidades como um igual. Assim, passa de fotógrafo a amigo de confiança e registra depoimentos que mais parecem desabafos.

Enquanto vamos conhecendo o lugar e sentindo o quanto está em situação lastimável, alguns dos novos moradores narram os momentos inesquecíveis da conquista. As muitas janelas e o olhar para o mundo poetizam o último instante de reflexão. Há muito a se fazer...

São tantas pessoas distintas, de diferentes lugares, com as mais improváveis histórias, mas com um único sonho: ter um endereço. Famílias inteiras dormindo no chão em “apartamentos” separados por madeiras velhas, muitas crianças já brincam e as pessoas se dividem em equipes, por funções, cada um ajudando com o que sabe fazer melhor. É hora de se organizar, retirar os entulhos, reaproveitar materiais, construir uma estrutura mínima de convívio, limpar, cuidar, dar um pouco de si para transformar o local em seu.

Mais do que um evento revolucionário, este documento mostra por dentro como cidadãos, nunca apresentados à cidadania pelo estado de direito, têm um poder de organização interna e uma disciplina de cooperação social tamanha, que nos fazem acreditar que são realmente capazes de mudar seus futuros. Quase que como uma “sociedade alternativa”, os novos “donos provisórios” daquele endereço trabalham incessantemente para “arrumar a casa” sem nunca perder o bom humor. Aquele prédio esquecido, agora está cheio de vida e de esperança ao som de um reagge alegre, como os rostos dessa gente.

Mas surgem os primeiros problemas... O poço de elevadores, perigo para as crianças, precisa ser interditado... Pessoas que não são verdadeiramente carentes se infiltraram na ocupação... Muitos não estão cumprindo suas obrigações... O subsolo está inundado pelo esgoto e à noite não se pode dormir com a quantidade de mosquitos. Mas o pior problema para eles é o preconceito de ser um Sem Teto.


Aqui, a história se divide e passa a acompanhar o dia a dia de alguns personagens principais: o advogado do movimento que não poupa palavras para distribuir disposição e persistência ao grupo para continuar encarando os desafios; a empregada doméstica que luta para deixar de dar todo seu salário para pagar o aluguel e poder viver dignamente com seu filho de 11 anos; uma das líderes do movimento, mulher de fibra, que traz nos olhos a dor e a força para gerir esta micro-cidade, na sua rotina como uma verdadeira prefeita; a aposentada de fibra que toma conta da cozinha e não pode desistir, pois não tem para aonde ir.

O tempo passa, alguns problemas continuam, outros surgem, mas o velho Tobias já dá ares de renovado. Agora, há uma portaria, onde cada morador se identifica na entrada. Cada andar tem um coordenador, já existe biblioteca, organização de eventos... Os resultados começam a aparecer. Porém, nas assembléias regulares nenhuma evolução nas negociações com o dono do prédio e com a prefeitura é noticiada. A esperança começa a querer mudar de endereço.

Chega o Natal... Mariá organiza uma ceia com as famílias. Todos se preparam, põe sua melhor roupa, a comida é arrecada e os presentes são invisíveis, só se vêm nos olhos de cada um. Pela primeira vez na vida, Rosania vai poder armar a árvore de natal com seu filho. Ela agradece a Deus por ter uma janela. O espírito natalino “invade a ocupação” e renova a fé deste povo para a luta que ainda não acabou.

A partir deste ponto, os espectadores são levados a se infiltrar no Movimento do Sem teto e fazerem parte de uma nova ocupação de outro prédio abandonado do centro-velho paulistano. As únicas imagens feitas desta ação mostram, passo a passo, como integrantes desta grande comunidade – na sua maioria composta por mulheres, principalmente, na liderança – se transformam em “guerrilheiros” pacíficos, que não medem esforços para arrebentar o portão e ocupar mais este edifício vazio, que pode se tornar um lar para outros tantos excluídos e continuar alimentando o sonho por igualdade. Utopia pra quem? Pra você? Pra mim? Pra eles é a única alternativa! Enquanto isso, personalidades, especialistas e responsáveis pela situação sócio-política da moradia na cidade de São Paulo dão suas versões desta questão séria, grave e, principalmente, real.

Quem são estas pessoas? Criminosos ou vítimas? Os donos destes prédios são vítimas ou especuladores? Os governos estão sendo agredidos ou são eles que ceifam vidas quando negam a esta imensa população o direito legítimo de ter onde morar?

Tobias 700 não traz as respostas, mas existe para elas possam ser encontradas.



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